domingo, outubro 3

Santifico-me


Viajar-te em velocidade de estearina, rogando-me pausas onde me estendo, como quem procura santuário. Inundo-me de chuva, escondendo lágrimas. Perigo-me à medida que estico os dedos e descubro os teus anéis. Guardo as tuas mudanças de pele pela mesma razão que venero as catedrais. Nunca beijei imagens de ouro ou rubis. Nunca senti frio deitado sobre urnas de mármore. Não te conheço milagres. Apenas creio em ti.

Espinhos


Ser de ti, é a pergunta ventania com que insistes pintar-me da tua cor. E por saberes a resposta, as propostas são meras vítimas do teu calor. Experimentei um dos teus cigarros, e para além de me sentir um pouco feminino, o meu sabor não me soube a ti. Tenho guardado a que sabes. E mergulho todas as vezes que as ondas me parecem a tua pele. Cansado de voltar à areia, e não descansar a cabeça na tua coxa.

terça-feira, setembro 28

Dezanove


São longas as estradas por onde te vou levar. Não têm janelas nem sentidos proibidos. Juntos, traçamos as bermas onde nos deitamos em tufos de erva. O bastante para sentir a circulação de um sangue de guloseima. Sabemos os nossos instintos como magnetismos. Sabemo-nos animais em cio transparente. Sei a tua pele como esse traço contínuo que insisto num dogma. Sabes os meus olhos semicerrados, imaginando-te suada. Os nossos cabelos vigiam o vento. As mãos, sugerem-se descobertas. O dia será continuado de noite.

quarta-feira, setembro 22

Profundamente


Conheço o domínio que tens em mente. Existem portões pesados, pintados de negro, onde se encerram as dúvidas inaladas por esses desvios. Conheço as perspectivas de tais emoções, cortar-me fundo nas tuas arestas. Divido-te ao meio procurando apetites ocultos. Duvido conseguir evitar tais perigos. Talvez por me sentir em perigo sem eles. talvez por acreditar. Certeza de quem se alimenta do proibido.

terça-feira, setembro 21

Sem fôlego


Seduzido por esse crime, acompanho-te no exacto estado em que a fome significa todo um jogo, decidido em regras que se escrevem ao longo da imprevisibilidade. Desconheço os teus hábeis gestos. Não consigo entender as estratégias. Ou o lugar onde me estenderás. Sei apenas o que fazer com a espuma do capuccino. Traçar-te uma circunferência e mergulhar, ignorando geometrias.

segunda-feira, setembro 20

Agora


Dá-me o tempo que decidiste consumir. Entrega-me esses minutos e deixa-me criar horas de pétalas. Oferece-me o tempo da tua nudez. Uma que seja crua e vazia de cor. Consente os gestos e deixa-me prostrado, ritual incoerente onde serás o altar de um desvario encenado. No teatro do meu capricho, o esmero é ímpeto e tem o teu nome.

domingo, setembro 19

Nesse pressentimento


Existes em agudos neste piano. E por muito que sussurres, são as notas soltas na extremidade das teclas brancas que te dão a silhueta. Podes assumir o pelo sedoso de um felino passo a passo, aquele arminho onde afago a tua presença. Podes manter uma imobilidade de museu. A que me fará inquietar por dulcíssima e inacessível. Podes desaparecer. E ao perpetuares, estarei deitado sobre o piano, como se o amor fosse uma oitava.

sábado, setembro 18

Amanhã


Quando te repreender será a contraluz. Quero ver-te no recorte do teu incómodo, entre o teatro e te despires por vontade. Quando te vir acatada e suada, quando respirares o meu atrevimento, os meus olhos responderão a trela que me ofereces. E nos teus olhos, surgirão todas as imagens que a obscuridade te poderá oferecer. Como tu és oferenda. Como eu me ofereço.

sexta-feira, setembro 17

Ainda


Cedo aos passos juvenis da tua presença. E assim, apenas na razão de uma brisa estival, desmorono-me sob o ensaio que me retira o sorriso tímido. Procuro os mil significados do verbo sucumbir, com as certezas de um professor subjugado pela aluna. Rodo de olhos fechados, julgando-me só. Precipito-me rolando o fio de cabelo molhado que te cai sobre os olhos, restos de Verão com sabor a baunilha. Encostado à parede, procuro o teu cheiro. Apetece-me o irresistível, na medida única de tudo, recusando as partes desse todo. E aos porquês, respondo ainda.

quinta-feira, setembro 16

Primeiro


Invejo-te. Sigo com os olhos essa maneira de seres resultado de pincel. Percorro o caminho onde deixaste os passos de dança, onde volteias o romance desses ombros procurando carícia, uma de longe, de tanto, de toda uma tarde de sentidos perigando a pausa. Ordeno-me as lágrimas de te saber, das horas que te julguei impossível, dessa doutrina onde te lia inexistente. E subo as estrelas, rompo os dias de calma, desfaleço catedrais, desmaio-me em mármores terrenos ao te julgar real, a métrica da tua existência, o rumor soprado de mulher parietando-me o sono. Atinjo-me mortal nessa cadeia onde me agrides o íntimo. E deixo-me à inveja, no desgosto dessa posse que não tenho. No desejo mudo de te escrever singular.